"O avião, outrora símbolo do luxo, da facilidade e do bem-estar, é hoje o meio de transporte mais desconfortável que existe, com a possível (mas discutível) excepção do burro de carga. A degradação da qualidade do serviço prestado aos passageiros, em quase todos os aspectos, acompanhou a sofisticação tecnológica da actividade e a sua total desregulação – tendo ambos os fenómenos, em larga medida, origem nos Estados Unidos. Mas nem a liberalização nem o consequente potenciamento da concorrência explicam que as companhias tenham, em geral, secundarizado a qualidade como vantagem competitiva.
Em matéria de preços, há coisas inenarráveis – coisas de que facilmente se aperceberá quem, durante um vôo, se dê ao trabalho de perguntar aos vizinhos de lugar quanto pagou cada um deles pelo seu bilhete. Usa-se a lei da oferta e da procura naquilo que ela tem de pior: na possibilidade de especular com a aflição, com a ansiedade ou com a expectativa das pessoas. Comprar um bilhete de avião é uma espécie de jogo de raspadinha: ninguém sabe o preço antes de a necessidade de transporte surgir. Se um cidadão perguntar ao balcão de uma companhia, com total simplicidade, quanto custa uma passagem para Paris, em classe económica, a resposta será, com um sorriso – 'Depende'.
Numa revista de gestão americana, lia-se, há pouco tempo, que não há, à face do planeta, negócio tão mal gerido como o do transporte aéreo de passageiros. A trajectória ondulante desse negócio parece confirmar a ideia: dos lucros gordos aos prejuízos abissais vão distâncias de meses e nehuma das situações se entende bem. Em geral, voa~se cada vez mais, oferecendo cada vez menos aos passageiros, e perdendo dinheiro.
Reconheça-se que a gestão dessas empresas não é coisa fácil.
Para só falar naquilo que é, afinal, o cerne da actividade, bastará notar que as transportadoras aéreas têm que lidar com, pelo menos, duas das corporações profissionais mais poderosas e exigentes: a dos pilotos e a dos controladores de tráfego aéreo.
Ambas estão compactamente organizadas em sindicatos ricos e fortes. Ambas se acham com direito ao grosso dos proveitos da actividade e a uma porção substancial do poder nas empresas. Pior: uma delas – a dos controladores – nem sequer tem relações de trabalho com as companhias aéreas.
A estas dificuldades, acrescem as do custo do petróleo e da segurança, da concorrência das companhias de baixo custo, e por aí fora – tudo complicações que exigem um tipo especial de gestor, raríssimo em qualquer parte do mundo.
E como, na sua enorme incomodidade, na ineficiência que manifesta em tantos momentos, na opacidade da sua economia e na sobranceria do trato com o cliente, o transporte aéreo continua a não ter alternativa, nada resta senão resistir, aguentar, esperar que gente melhor repense toda a 'doutrina' do sector e lhe imprima uma inflexão saudável – no sentido de voltar a ser um negócio de pessoas e não de objectos." (António Monteiro Fernandes, Diário Económico, 08/01/2008)
Em matéria de preços, há coisas inenarráveis – coisas de que facilmente se aperceberá quem, durante um vôo, se dê ao trabalho de perguntar aos vizinhos de lugar quanto pagou cada um deles pelo seu bilhete. Usa-se a lei da oferta e da procura naquilo que ela tem de pior: na possibilidade de especular com a aflição, com a ansiedade ou com a expectativa das pessoas. Comprar um bilhete de avião é uma espécie de jogo de raspadinha: ninguém sabe o preço antes de a necessidade de transporte surgir. Se um cidadão perguntar ao balcão de uma companhia, com total simplicidade, quanto custa uma passagem para Paris, em classe económica, a resposta será, com um sorriso – 'Depende'.
Numa revista de gestão americana, lia-se, há pouco tempo, que não há, à face do planeta, negócio tão mal gerido como o do transporte aéreo de passageiros. A trajectória ondulante desse negócio parece confirmar a ideia: dos lucros gordos aos prejuízos abissais vão distâncias de meses e nehuma das situações se entende bem. Em geral, voa~se cada vez mais, oferecendo cada vez menos aos passageiros, e perdendo dinheiro.
Reconheça-se que a gestão dessas empresas não é coisa fácil.
Para só falar naquilo que é, afinal, o cerne da actividade, bastará notar que as transportadoras aéreas têm que lidar com, pelo menos, duas das corporações profissionais mais poderosas e exigentes: a dos pilotos e a dos controladores de tráfego aéreo.
Ambas estão compactamente organizadas em sindicatos ricos e fortes. Ambas se acham com direito ao grosso dos proveitos da actividade e a uma porção substancial do poder nas empresas. Pior: uma delas – a dos controladores – nem sequer tem relações de trabalho com as companhias aéreas.
A estas dificuldades, acrescem as do custo do petróleo e da segurança, da concorrência das companhias de baixo custo, e por aí fora – tudo complicações que exigem um tipo especial de gestor, raríssimo em qualquer parte do mundo.
E como, na sua enorme incomodidade, na ineficiência que manifesta em tantos momentos, na opacidade da sua economia e na sobranceria do trato com o cliente, o transporte aéreo continua a não ter alternativa, nada resta senão resistir, aguentar, esperar que gente melhor repense toda a 'doutrina' do sector e lhe imprima uma inflexão saudável – no sentido de voltar a ser um negócio de pessoas e não de objectos." (António Monteiro Fernandes, Diário Económico, 08/01/2008)
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