sâmbătă, 26 mai 2007

"No pouco espaço livre que resta da costa algarvia vão ser construídas mais 53 mil camas"

"O Protal II foi aprovado, mas desde que haja para investir mais de 60 milhões de euros, o governo contorna as leis do ambiente e do ordenamento. Até pode mandar suspender um Plano Director Municipal só para aprovar um apartamento-hotel, como aconteceu à entrada da Quinta do Lago.
Nos próximos cinco anos, prevê-se que o Algarve duplique o número de empreendimentos de cinco estrelas. Quantos serão, ao certo, não se sabe ainda. 'Quase uma mão cheia', responde, lacónico, o ministro da Economia, Manuel Pinho, prometendo que, no Verão, vai lançar as 'primeiras pedras' de alguns desses projectos, ditos de Potencial Interesse Nacional (PIN).
Para tornar mais atractivo o investimento, na última reunião do Conselho de Ministros foi aprovado um novo regime jurídico para os chamados PIN Mais: para montantes de investimento entre os 60 e os 200 milhões de euros, o Governo promete uma decisão num prazo entre os 60 e os 120 dias. Da lista de grandes projectos em apreciação, elaborada pela Região de Turismo do Algarve, conclui-se que a região, nos próximos anos, poderá contar com mais 53 mil camas. Na mesma reunião do Conselho de Ministros foi ainda aprovado o novo Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (Protal), que, no entender dos ambientalistas, será 'mais do mesmo' no caminho da massificação.
Os novos clientes à compra de uma casa de férias no Algarve procuram nas imobiliárias um apartamento, que lhes é apresentado como sendo 'exclusivo', mas na maior parte dos casos não passa de uma simples habitação. O necessário é que seja associado a uma marca de prestígio - Hilton, Sheraton, ou outra. A qualidade da construção não se discute, os encargos de manutenção e gestão são relegados para segundo plano, a condição essencial é que haja um jardim com palmeiras, a lembrar um destino exótico e, de preferência, com um campo de golfe nas proximidades. Compradores não faltam.

Apostar nos mais ricos
O ministro da Economia, Manuel Pinho, fez esta semana uma visita de cortesia à construção do Hilton Vilamoura As Cascatas Golf Resort & Spa, previsto para abrir no dia 1 de Julho. A ocasião foi aproveitada para justificar o incentivo do Governo a uma dezena de projectos PIN que estão em curso para a região, e mais nove em carteira, na Agência Portuguesa de Investimentos(API). Esses planos, disse, 'destinam-se a trazer turistas de grande poder de compra para o Algarve'.
Neste empreendimento, onde não existe uma árvore autóctone nos jardins, os 69 apartamentos, ainda em construção, encontram-se todos vendidos, com o preço de 5500 euros por metro quadrado. O valor de um apartamento T2 varia entre os 480 e os 490 mil euros. Ainda por comercializar estão as semanas de férias no Vacation Clube (vulgo time-share), do mesmo empreendimento.
Da faixa litoral algarvia já são poucos os espaços livres de betão. Por isso, quando um grande investidor não consegue um lote em terreno urbanizável, tenta a aprovação de um PIN, para contornar as leis do ordenamento. Foi o que sucedeu com o aparthotel de seis estrelas, com a marca Conrad/Hilton, situado às portas da Quinta do Lago. Para viabilizar o empreendimento, o Governo mandou suspender nessa zona o Plano Director Municipal (PDM) de Loulé. Assim, por via administrativa, um terreno de 6,2 hectares de área de floresta obteve de um dia para o outro uma valorização superior a 30 milhões de euros. Em contrapartida, na serra algarvia - queixa-se o presidente da Câmara de Alcoutim, Francisco Amaral - 'não se pode construir nem um galinheiro, porque o território situa-se na Reserva Ecológica Nacional'. O presidente da Câmara de Loulé, por outro lado, enfatiza: 'O empreendimento da cadeia de hotéis Hilton, na zona da Quinta do Lago, foi aprovado pela administração central, à margem das regras do PDM'.

Desordenamento continua
A primeira tentativa de travar o desordenamento do Algarve surgiu em 1991, com a publicação do Protal. Cavaco Silva, então primeiro-ministro, chegou a ameaçar que cortava as candidaturas das câmaras a fundos comunitários, enquanto não fossem aprovados os planos directores municipais. Decorridos 16 anos, as leis continuam sem ser iguais para todos. Basta circular pela Via do Infante e olhar para a encosta virada para o mar, com moradias implantadas em zona classificada de Reserva Ecológica Nacional (REN), para se concluir que os erros do litoral já estenderam para o interior. O Vale do Lobo é apenas um exemplo da ocupação de falésias, com moradias em queda livre.
Mas em Albufeira ainda é pior. Em Maio de 2005, na praia de São Rafael, uma empresa imobiliária rasgou uma falésia abrindo um caminho directo entre o mar e o local onde se pretendia construir um hotel. O Ministério do Ambiente, quando o assunto se tornou público, levantou um auto, mas o crime ambiental continua sem julgamento" (Idálio Revez - Público, 26/05/2007)

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